terça-feira, 2 de maio de 2017

Crônicas de Jair Humberto Rosa

          







Cobra-Cipó                        
             Jair Humberto Rosa
         O operário desempregado chegou à porta do boteco e parou, olhou timidamente para os presentes; conhecia a todos, porém não cumprimentou ninguém, não tinha coragem para tanto.
        Pela magreza, apelidaram-no Cobra-Cipó, aquela cobra bem fininha que quase não se vê, tão suavemente desliza por entre o capim.
        Cobra-Cipó, passados alguns segundos, acabou de entrar, encostou-se no balcão. O dono do boteco, conhecendo-o bem, nem foi ver o que queria, sabia que ele não tinha dinheiro para comprar nada.
        Os boêmios também não repararam em Cobra-Cipó, continuaram a tomar cerveja e ele ficou olhando, água na boca de vontade de tomar um copo.
        Não era um “serrador”, não pedia nada a ninguém, só ficava olhando. Se lhe oferecessem, evidente, bem que aceita, mas pedir, não pedia nunca.
        Cobra-Cipó, operário semi-qualificado, diante da política de economia da fábrica, foi parar no olho da rua. Sorte a mulher e o filho terem morrido, atropelados por um ônibus, assim só ele passava dificuldades.
         Tentou muitas maneiras de ganhar a vida: foi vendedor de tapetes, de loteria, de livros e até de carnês que prometem a felicidade para o resto da vida. Vendeu alguns desses sonhos, não conseguiu a própria felicidade, desistiu. Cobra-Cipó não nascera para ser vencedor, nascera para ser operário e até que ia indo bem na fábrica, aprendera muita coisa, e em dois anos no máximo ia se rum torneiro mecânico dos bons.

         Cobra-Cipó desistiu de vender, foi ficando doente, mudou-se da casa em morava para um cortiço, depois acabou ficando por lá de favor, fazendo pequenos serviços para a senhoria em troca da moradia de graça.                                                   
  
         Cobra-Cipó pegou a vassoura, começou a varrer o boteco. Era acostumado a fazer isso. Pegava a vassoura, pedia licença aos fregueses e varria. Acabada a tarefa, o proprietário dava-lhe meio copo de pinga, da ruim, da mais barata.
        O homem pôs a pinga, ele bebeu de um gole só, não fez careta, não cuspiu. Um freguês, vendo aquilo, deu uma risada, e falou:
        - Se beber outra dessa eu pago. 
        Cobra-Cipó mandou colocar a outra pinga, o freguês mandou encher o copo, ele bebeu de dois goles, porque a quantidade era muita para o seu fôlego.
       Outro freguês propôs:
       - Se beber outro copo eu pago.
     Cobra-Cipó  bebeu e houve outras propostas. 
      Cobra-Cipó, operário desempregado, magro, faminto, desiludido, tomou cinco copos e meio de pinga, rodeado de risadas dos frequentadores do boteco e do dono. E pinga ruim, da mais barata.
     Talvez o mundo tivesse desabado sobre Cobra-Cipó, talvez fosse apenas  um buraco que se abrira sob seus pés, o que é certo é que ele caiu inconsciente.
     O proprietário, preocupado, pediu aos fregueses que o arrastassem para fora, para a calçada.
     Um dos fregueses afirma que Cobra-Cipó, quando foi arrastado, já estava morto; outro acha que ele morreu depois. Mas na hora o que fizeram foi sair pela rua, comentando a façanha de Cobra-Cipó, entre gargalhadas. 

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