segunda-feira, 11 de julho de 2016

Crônicas de Whisner Fraga










O inato despropósito de incomodar os outros

Whisner Fraga é escritor. -ALAMI -

O casal ia distraído, imerso em uma felicidade particular, exteriorizada pelos comentários insignificantes, ditos baixinhos, pelos olhares, um pouco cúmplices, outro tanto narcisistas, pelas gargalhadas. E, é claro, a alegria alheia incomoda. Foi assim que um senhor os abordou. Parei ali perto para acompanhar os desdobramentos dessa impertinência.
– Vocês sabem que têm uma qualidade muito bacana, mas um defeito grande? –disparou o homem aos dois.
Os três se estudavam, achei que aconteceria uma retaliação ou pelo menos aqueles que vinham contentes ignorariam o comentário e continuariam a caminhar. Mas não. Houve silêncio durante um tempo razoável. Até que a curiosidade vence:
– Como assim?, o garoto replica.
– Vocês são lindos. Essa é a qualidade. E sabem disso. Esse é o defeito.
Pensei comigo que saber de algo não pode ser um problema. Nunca poderá ser. O que fazer com algo que sabemos, aí sim, pode ser complicado. Mas o casal parecia que não dava a mínima para o mundo e, sob meu ponto de vista, isso é algo bom. Continuei rondando. Levantava a cabeça para o céu, folheava um livro, mas desconfiava que os três sabiam de meu intuito. Será que o garoto ia prosseguir? A moça seguia abraçada a ele, em silêncio, orgulhosa do namorado.
– Obrigado, decidiu o rapaz, envaidecido com o elogio.
Parece que não ligaram para a crítica. Achei bom. O casal, sabedor de sua beleza, convencido da importância para eles próprios de sua graça, não se deram conta da crítica. Simplesmente a ignoraram. Absorveram muito bem o elogio – para eles talvez uma constatação apenas, e assim julgaram aquele homem uma pessoa boa e sensata.
Como defendi, eles sabiam que eram bonitos. Que mal há nisso? Há tanto tipo de beleza por aí! E, imagino, que eles se considerassem belos apenas um para o outro, que é o que realmente importa. Escrevo isso porque, sinceramente, eles não poderiam ser encaixados nesses padrões de beleza impostos pela indústria hoje. Não eram tão magros, não eram tão altos, não eram tão claros. Mas muito bonitos, tenho de concordar com o senhor ranzinza que os abordou.
Mas não defendo a abordagem. Sou a favor do livre direito de se caminhar pelas ruas de qualquer bairro sem ser assediado. Sou a favor da felicidade, doa a quem doer. Sou a favor do abraço e do passear sem destino, a favor do sorriso, dos comentários banais e da beleza de acordo com os critérios de quem a vê. O casal era lindo, mas isso só interessava a ele.


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