quinta-feira, 23 de julho de 2015

Crônica do Jarbas Avelar








Um causo contado por quem sabia contar

 *Jarbas W. Avelar

O saudoso José Marciano de Morais era fazendeiro, em Campo Alegre, agricultor, pecuarista, oleiro, fabricante da famosa cachaça JM e reconhecido como notável caçador; na época, não havia restrições legais para este tipo de lazer. Em um dos recreativos e amistosos bate-papos, que habitualmente ocorriam em família, recebeu a visita de Zeca Quirino, apelidado de gato, e de Antônio Franco, filho do Senhor Alfredo Franco e de Dona Genoveva.
Zé Marciano contava um de seus memoráveis causos, e muito bem contado por ser ele o protagonista, enquanto Zuzu, Zulmira Carvalho, cuidava de afazeres domésticos, por perto. Ela se casara, posteriormente, com Ostinho, irmão do Isac; creio que seu nome seria Washington.
Seguindo seu estilo pessoal, regado com espontaneidade e empolgação, Zé Marciano narrava uma de suas caçadas, posicionado como se estivesse em uma tocaia. Na espreita, fazia gestos como se tivesse a carabina em punho, apontada para um trieiro, por onde a caça tinha por hábito transitar, deixando pegadas.
Enquanto articulava seus comentários, enriquecidos com minuciosos detalhes, sentia-se um clima de suspense no ar, com ansiosa expectativa pelo tiro, único e certeiro. Se errasse, não haveria oportunidade para o segundo. A caça se assustaria e fugiria em desabalada carreira pelo matagal.
Enquanto Zé Marciano discorria, meticulosamente, Zeca Quirino, por ter uma certa “queda” pela Zuzu, na época ainda solteira, não tirava os olhos dela, acompanhando sua movimentação na lida doméstica.
Com a intenção de advertir Zeca, que estava sendo descortês para com o anfitrião, por não prestar atenção na história que ele narrava, Antônio, zombeteiro, em tom de brincadeira, produziu o chiado, que se faz com a boca: “chiiiip! ”, quando se quer espantar um bichano, já que Zeca tinha o apelido de gato.

Zé Marciano não se deu conta da presença de Zuzu, tampouco das atenções de Zeca voltadas para ela. Entendeu que aquele “chiiiip” se tratava de uma contribuição de Antônio para o desfecho da história. Assim, em absoluta e intensa concentração, e absorvido pelo cenário da narrativa, com o dedo indicador, pressionou, transversalmente, os lábios gesto de quem pede silêncio  e respondeu baixinho, para não afugentar a caça, prestes a aparecer: “Antonce, ainda num tá na hora de atirá”.


*Jarbas W. Avelar 
Advogado e Escritor

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