quarta-feira, 2 de julho de 2014



O HOMEM E O TEMPO
Saavedra Fontes
                                                                                         
Feito borboleta de vôo incerto, levando nas asas filigranas de sonhos coloridos, imaginando-se belo, forte e eterno apesar da vida efêmera, lá vai o Homem - pobre Ser Humano -  tecendo um  roteiro a seu modo, como se o tempo fosse escravo de seus caprichos e não o inverso, essa triste verdade. Das criaturas é a mais perversa, a mais teimosa, a mais cheia de orgulho e presunção. Dotado de inteligência ele pode e deve reconhecer os seus erros e acertos, mas não é capaz manter estes e evitar a repetição daqueles. Tolhe-o no bom senso o egoísmo inato e nunca se dá conta de que não é o tempo que passa, mas simplesmente ele, viajante de muitas vidas, herdeiro de inúmeras experiências.
A maldição de Abel e Caim persiste até nos dias de hoje nas guerras fratricidas, na inveja que gera o ódio, na ambição que destrói a paz e a compreensão entre irmãos, na teimosia latente de anjo caído. O homem percebeu até hoje, que o tempo é convenção humana, criado para posicioná-lo dentro do processo histórico geral e particular, na defesa de sua identidade. Caso contrário o ele não seria o ator principal neste enorme teatro que é a vida, mas um simples coadjuvante sem nenhuma participação importante e deliberada. E se deixa levar pelas ilusões...
Mas há um momento em que tudo para e ele passa de ingênuo e tolo aventureiro a grave e circunspecto observador da vida. É quando envelhece. Não me refiro à decrepitude normal dos seres vivos, à deterioração da carne, dos músculos e dos órgãos vitais. Tampouco estou falando sobre a perda do viço da juventude e consequente tristeza, que deixam marcas reveladoras.  Quero lembrar que existe no Homem algo que sobrevive a tudo isso, e que ele vai naturalmente reconhecer através da intuição e da maturidade de seus pensamentos: a existência de seu espírito, de sua alma.

No ato de tomar conhecimento de sua vida interior, ele pode se deixar subjugar pela revolta ou crescer pelo entendimento, adquirindo aos poucos a noção de sua fragilidade. Procurando fortalecer-se, gerando para si estruturas morais condizentes com a  vontade de reerguer-se, para suportar a morte de todas as ilusões e pode defrontar-se com a realidade. É a maturidade que não nos chega obrigatoriamente com a idade, mas com as experiências diárias no exercício de viver. Não é próprio de o Homem retroagir nos conhecimentos adquiridos, mas é comum a sua rebeldia que o torna recalcitrante, tolo, pasmo e indefinido  na fase de crescimento interior. A felicidade está em compreender a finalidade da vida, que é passageira, mas maravilhosa se soubermos usufruí-la bem. E o tempo é mestre.

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