quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

Crônicas do Saavedra


ENXERGAR COMO UM CEGO
Saavedra Fontes
                                                                             
Certa vez perguntaram a um velho e cego, que pedia esmolas há muitos anos numa esquina movimentada de uma cidade grande, o que ele gostaria de ver se Deus lhe desse cinco minutos apenas de visão. Simples e sincero, respondeu que era poder enxergar um mundo diferente do que era.  Mas se era cego de nascença, replicaram-lhe, nunca vira as coisas como nós as vemos, como poderia desejar que fosse diferente?  Só depois de muita conversa é que descobriram que o cego se referia à sua visão interior, acostumado que era às pessoas que iam e vinham, passando ou parando ao seu lado, conversando e ignorando a sua presença, como se ela fosse algo que não existisse e não exigisse respeito ou temor. Sendo cego não poderia descrever as várias formas criadas pela Natureza, mas era sensível o suficiente para saber como era a alma humana ou o caráter das pessoas, analisados através da delicadeza de espírito ou da aspereza da voz. Habituado à assistir a vida rude e competitiva, a grosseria no trato com as pessoas, o desdém, a falta de solidariedade, percebeu como ninguém as marcas do homem moderno que qualquer cego pode ver. E tomando o passado como comparação completava afirmando, que as pessoas não se cumprimentam mais como antigamente, não pedem desculpas pelo esbarrão acidental, não cedem a vez e o lugar para os velhos e necessitados, evitam todos e qualquer um que não traga com ele intuitiva troca de interesses. Apesar de cego ele via as mazelas do mundo atual.
Pesquisas aleatórias reveladas aqui e ali, mostram que 85% da população troca palavras vazias. A maioria fala de sexo, futebol, política e da vida alheia. Compreendesse o homem o valor das palavras, das pequenas atenções e de assuntos mais importantes, estaria vivendo num mundo bem melhor. Se junto à “malhação” para aperfeiçoamento do físico, hoje tão em moda, exercitássemos nossa capacidade intelectual e aprimorássemos nossas virtudes morais, estaríamos certamente reforçando nossas convicções espirituais, as únicas capazes de nos transportar incólumes pelas fases da vida. E chegaríamos ao fim de nossa jornada sem medos, sem sofrimentos, sem revoltas, sem remorsos, sem traumas de qualquer espécie, sem depressão, ignorando a velhice e sem temer a morte.

Na verdade o que nos falta, além de uma preocupação maior com o nosso semelhante, é o hábito da alegria. Somos demasiadamente sérios com as coisas sérias ou incrivelmente debochados, deturpando em nós a capacidade de ser feliz. Um conceito antigo nos manda sorrir ao acordar e manter o sorriso durante algumas horas, para que ele continue fluindo com naturalidade e sem esforço o resto do dia. Uma prática saudável, que deveríamos adotar para o nosso bem e o daqueles que dividem conosco o mundo em que vivemos. Mas nos tem faltado no decorrer da vida, inteligência e humildade para reconhecer, mesmo cientes do valor das palavras tais como amor, perdão, compreensão e paz. Façamos um trato, vamos enxergar a vida como o cego desta crônica, tentando mudar a partir de nós mesmos o mundo em que vivemos, abandonando a prática do orgulho e do egoísmo. Vamos dividir com nossos irmãos as alegrias, os bons exemplos, nossa vontade de corrigir nossos erros plantando a idéia de uma sociedade solidária. Façamos disso a gênese de uma nova humanidade.###



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