terça-feira, 31 de dezembro de 2013

Crônicas do Marco Túlio



Quosque tandem, Catilina, abutere patientia nostra?
Marco Túlio Faissol Tannús
resumo.da.opera@hotmail.com
 
publicado no Jornal do Pontal em 18/08/2009


 


Foi grande a minha surpresa ao abrir a Folha de São Paulo, no Domingo, e deparar com o irreparável artigo de Frei Betto sobre o Senado Romano da era de Cristo. Pouco menos de um século antes do nascimento do Homem, discursava veemente da tribuna do Senado, Marco Túlio Cícero, senador de quem sou homônimo, mesmo não compartilhando de sua capacidade verbal, nem de sua cultura. Atacava de morte outro senador, Lúcio Sérgio Catilina, que a seu ver, esgueirava-se sorrateiramente pelos corredores do poder, ignorando a ética e o bem agir a fim de obter vantagens para si e para os seus. Pouco importava com o que dele pensavam os colegas ou a população. Havia até Senadores que o defendiam. 

Cícero exortava Catilina a deixar o Senado para que fossem preservados os superiores interesses do Estado. Pisava e repisava, de maneira clara, porém firme, toda a sorte de argumentos compatíveis com o respeito e o decoro. De suas palavras restou a frase símbolo que sintetiza muito bem o que, ainda hoje, todos nós gostaríamos de dizer: “Até quando, Catilina, abusarás de nossa paciência?
Frei Betto foi exemplar ao entremear com secos comentários os trechos do discurso de Cícero, mostrando ao leitor que o que vivemos hoje não é novidade. É fácil intuir por suas palavras o Catilina contemporâneo que sequer foi mencionado. Porém, julgo importante ressaltar que aquele de outrora se traduz, nos dias de hoje, em muitos outros Catilinas que nos roubam a paciência e nos agastam com suas condutas reprováveis, despudorados e alheios à opinião de seus patrícios.
São Catilinas os funcionários públicos que nos destratam e nos ignoram. Que não comparecem no local de trabalho, mas mantêm seus vencimentos. Que não se empenham para prestar bons serviços. Que passam o tempo para que o tempo passe mais rápido.
São Catilinas os que utilizam de sua autoridade para contratar com recursos públicos funcionários que, como São Francisco, dividem seus vencimentos com aqueles que os contrataram e, algumas vezes, nem aparecem para assinar o contracheque.
São Catilinas as autoridades que agem com descaso e priorizam as campanhas publicitárias anunciando obras e realizações, umas reais, outras imaginárias, em detrimento das campanhas educativas e de esclarecimento sobre a epidemia de gripe suína que nos ataca e a todos preocupa.
São Catilinas os membros da corporação policial que utilizam informações estratégicas não para proteger o cidadão, mas para tirar proveito delas. Aqueles que descobrem o paradeiro dos traficantes internacionais para seqüestrá-los e extorquir deles grandes somas de dinheiro sujo.
São Catilinas as notícias encomendadas, fabricadas e divulgadas sem compromisso com a verdade. Aquelas cujo objetivo não é informar, mas reconstruir a realidade segundo a vontade de uns poucos, a fim de manipular a consciência da massa desavisada.
Abusam de nossa paciência e de nossa inteligência os meios de comunicação que utilizam de seu poder de convencimento para expor, em cadeia nacional, sua disputa particular pela audiência e suas diferenças íntimas, em formato que mais parece briga baixa de bordel.

Até quando, Catilinas, abusareis de nossa paciência?

São muitas as coincidências entre a Roma daquela época e os nossos dias de hoje. Tanto a pouca vergonha de uns quanto a indignação de outros. Frei Betto lembra que o fim da história reservou a Catilina a morte no exílio no ano seguinte. Cícero foi expurgado do Senado e assassinado alguns anos depois. Incitatus, o cavalo de Calígula, foi nomeado Senador e, posteriormente, Cônsul do Império Romano. 
Se a história efetivamente se repete, resta-nos adivinhar a quem caberá o papel de Incitatus.
                                                               
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